O cartaz do Bloco de Esquerda e a confusão de algumas pessoas sobre o significado de liberdade de expressão

Durante dias não se falou de outro assunto: o cartaz do Bloco de Esquerda com o slogan " Jesus também tinha dois país" dominou serviços informativos televisivos, capas de jornais, redes sociais, conversas de café e por aí fora. Parecia não haver outro assunto.  Via-se comentários completamente inflamados a afirmar que o referido cartaz constituía  uma afronta à Igreja. Havia outros menos inflamados, mas que também contestavam o cartaz. E depois havia os comentários das pessoas que afirmavam que achavam muito bem , pois pegar pela religião é uma forma eficaz de captar a atenção das pessoas e atingir os sentimentos. Essas pessoas, censuravam ainda quem criticava o cartaz perguntando onde estavam as pessoas que há um ano atrás , em defesa da liberdade de expressão, gritavam "Je suis Charlie ". Algumas das que contestavam o cartaz ainda respondiam que jamais tinham sido desses que tinham gritado tal coisa.

Parece-me que há  grandes confusões na cabeça de certas pessoas em relação ao conceito de liberdade de expressão e do slogan " Je suis Charlie".

Mas ,acaso, alguém entrou pela casa do autor do cartaz e "desatou" aos tiros? É que se isso aconteceu ,retiro desde já o que disse! Mas claro que sei que isso não aconteceu. O irónico é estarem a criticar quem não apoiou o cartaz, usando o conceito de liberdade de expressão, quando estavam precisamente a criticar essa mesma liberdade. Então que liberdade de expressão existe quando uma pessoa é obrigada a dizer que gosta de algo de que na realidade não gosta?

Precisamente pelo uso da liberdade de expressão, quem fez o cartaz teve todo o direito de o fazer. Mas também precisamente pelo uso do mesmo direito, as pessoas que não gostaram do cartaz tinham igualmente todo direito de expressar essa opinião, sem necessariamente estarem contra a liberdade de expressão, nem a trair-se ou contradizer-se se, por acaso, tinham há um ano atrás gritado "Je suis Charlie". Deviam fazê-lo com moderação nas palavras usadas, mas isso já é outra história. Porque mesmo quem usou moderação nas palavras , levou como resposta " Afinal, onde está a defesa da liberdade de expressão que apregoavas há um ano atrás? " . Repito: ninguém desatou aos tiros com os autores do cartaz ou com os representantes do Bloco de Esquerda.

A mim parece-me tudo muito simples: quem fez o cartaz teve todo o direito de o fazer. Eu ( no sentido de qualquer cidadão) é que também estou no meu direito de não gostar do mesmo cartaz ou de não o achar adequado.

Que fique claro que nem todas as pessoas que há um ano atrás se manifestaram conscientemente a favor da liberdade de expressão e gritaram conscientemente "Je suis Charlie" eram ou são apreciadoras do tipo de humor usado pelo jornal satírico Charlie Hebdo. O que ainda menos apreciavam era que se entrasse na redação de um jornal e se desatasse a matar pessoas!

Já agora, aproveito para dar a minha opinião sobre o cartaz: achei-o desadequado, tendo em conta que o assunto a defender era a adopção por casais do mesmo sexo. Não sou religiosa. Sou agnóstica. Mas sei que os valores cristãos estão muito enraizados na nossa sociedade e que a Igreja ainda tem muito poder. E , como tal até concordo que pegar pela religião é uma forma certeira de chegar às pessoas, embora ache que misturar política com religião é uma atitude perigosa. Mas o motivo pelo qual achei o cartaz inadequado foi por considerar que o exemplo nada tinha a ver com a causa que se pretendia defender. O slogan "Jesus também tinha dois país" seria adequado , por exemplo na situação de uma criança filha de país separados, cuja mãe volta a casar e a criança ama o padrasto como se fosse seu pai, sem deixar de amar o pai biológico. Muitas vezes há disputas, ciúmes, pede-se a uma criança que escolha, como se isso fosse obrigatório. Seria um bom slogan para se usar numa situação dessas. Mas nada adequado para um casal homossexual que pretenda adoptar uma criança. Segundo reza a bíblia, Jesus terá sido educado e criado por José e Maria. Não por José e Deus. Daí o cartaz não fazer sentido.

Mas quero ainda dizer que não me parece que fosse assunto para tanto alarido. O Bloco de Esquerda já reconheceu que se tratou de um erro e não acho que alguém que simpatize com as ideias do partido tenha passado a simpatizar menos devido a isto.

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