Até quando os advérbios JÁ e AINDA associados ao casamento?

Seguindo a grande paixão que sempre tive pela língua portuguesa, quer me parecer que a utilização dos advérbios de tempo JÁ e AINDA pressupõe uma realidade que é inevitável, obrigatória ou, pelo menos, devida.  O exemplo mais claro é o da morte.Não existe nada mais inevitável do que a morte e, assim sendo, sabemos que de velho ninguém passa.  É portanto tão natural, seguindo esta ordem de ideias, ouvirmos alguém perguntar "Então, os seus bisavós? AINDA são vivos?" como ouvir como resposta "O meu bisavô JÁ morreu, a minha bisavó é que AINDA é viva". Um diálogo perfeitamente natural, pela ordem natural das coisas, da vida.
Os mesmos advérbios podem também, a meu ver correctamente  ser usados quando ambas as pessoas sabem que uma determinada acção é obrigatória ou devida. Parece-me normal ouvir uma pessoa perguntar a outra "Então, JÁ entregaste a declaração do IRS?"  ou "JÁ pediste desculpa ao Zé?" ... Ambas as perguntas fazem sentido, tal como faz sentido a ambas a resposta "AINDA não". Estamos perante realidades, acções que , não tendo AINDA acontecido se pressupõe que há uma obrigação de acontecerem num futuro mais ou menos próximo.
Assim sendo, vamos então ao que interessa para o momento: quem não ouviu ainda o seguinte diálogo?
"Olá, D. Maria! Há tantos anos que não a via! Como vai a família? Os seus filhos JÁ são casados?" Resposta da D. Maria "O Zé JÁ casou, mas o Manel AINDA é solteiro... " em contra resposta, como para amenizar um pouco o facto negativo, a primeira pessoa diz "Deixe lá, o meu também AINDA NÃO casou..."
Ora, tal como vimos anteriormente, os advérbios JÁ e AINDA pressupõem , deixam subentender, uma realidade inevitável, obrigatória, ou, pelo menos, devida. Assim sendo, por esta conversa , que ouço desde criança e , por estanho que me pareça , continuo a ouvir nos dias de hoje, o casamento é algo que a pessoa deve fazer. Algo inevitável, obrigatório ou devido. Algo que quem AINDA NÃO fez, deverá vir a fazer no futuro. Não faço a mínima ideia a quem os cidadãos devem tal acção, mas , pela mentalidade expressa pela Língua Portuguesa, é algo devido. Talvez um dever cívico, tal como votar.
Incomoda-me um bocado esta mentalidade enraizada, tendo em conta que sempre conheci pessoas solteiras de todas as idades que me parecia terem uma vida normalíssima. Pessoas que viviam em sociedade, trabalhavam, conviviam. Quer as pessoas queiram, quer não, nem todas as pessoas têm vocação para o casamento, para viver ao lado de outra pessoa em ambiente de casal.

Que a sociedade nos empurra tradicionalmente para o casamento já é dado adquirido.... Que continuemos a insistir nessa tradição é que já me parece inadmissível.

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