A violência doméstica quando é ao contrário... É diferente?

Expressões e ideias do tipo "cada caso é uma caso" , "um mal não justifica o outro" , "são caos distintos" ou ainda, no mesmo contexto, "não faças aos outros aquilo que não queres que te façam a ti" são considerados clichés sempre que usados. E são. Sim, são clichés. Aquelas ideias que à partida toda a gente sabe, que não são novidade, não acrescentam nada. Mas a verdade é que no dia a dia não vejo ninguém fazer uso deles na prática. Quando digo "na prática" refiro-me à forma de estar na vida, à postura perante a sociedade. As pessoas tendem em puxar a brasa à sua sardinha, ou à sardinha que lhes parece mais próxima de si e esquecem-se de ouvir a voz da razão, que lhe devia dizer que não devem olhar só para o seu umbigo

Nas minhas pesquisas online pela actualidade do dia, encontrei uma notícia que dá conta de uma mulher que , simulando um assalto, matou o marido. Como é hábito também, dei uma vista de olhos pelos comentários e deparei-me com palavras do estilo "Alguma coisa havia por trás, pobre senhora" , "Se ela o matou é porque ele não era bom para ela" , "Tal foi como a pobre da senhora se viu para fazer isso" , "Então e tantos que têm matado as mulheres também!" , "Não podemos julgar, só ela é que sabe o que se passava entre 4 paredes"

Ora, alto e pára o baile. Deixemos lá de rir para mangar, como se diz na minha terra, da qual tenho tantas saudades e à qual nunca mais voltei, desde Fevereiro de 2015. Não escondo que fui vítima de violência doméstica. Um caso grave que se prolongou durante anos, sempre com tendência a piorar. Fui obrigada a pedir ajuda às autoridades e fugir do Algarve para recomeçar tudo de novo aos 46 anos. Costumo dizer que não foi a melhor opção. Foi a única. Cheguei a um ponto em que não restava qualquer outra opção a não ser fugir e deixar tudo para trás, incluindo o meu filho. O meu ex-marido tornou-se numa pessoa perigosa, devido a uma doença psiquiátrica grave, e hoje reconheço que ele não é apenas uma pessoa doente, mas uma pessoa má. Não sei se foi sempre assim e disfarçou , ou se se tornou assim devido à doença. Mas isso agora também não interessa, nomeadamente para o caso de que estou a falar.

Por isso, não falo do que não sei. Sofri na pele. Podia ter morrido às mãos dele se tivesse insistido em ficar.

Mas o meu caso é o meu caso. Outro caso será outro caso e outro será outro. Não é porque eu, sendo mulher , fui vítima de um homem, que acho que o devia ter matado. Nem é porque eu, sendo mulher, fui vítima de um homem que acho que não pode haver homens que sejam vítimas também. Usando o cliché, cada caso é um caso. realmente. Não concordo com a violência sobre seja género for e seja por parte de que género for. Violência é violência e nada justifica matar alguém. Seja homem ou mulher. A menos que seja em legítima defesa e nesse caso, mais uma vez, seja homem ou mulher tanto o agressor como a vítima.

Ora, se agora nós mulheres, vamos usar a desculpa do "Ah e tal, tal se viu a senhora para fazer isso", que moral temos para um dia em que um homem mate a mulher nos indignar se vier um homem dizer "Pobre homem, tal se terá visto para ter que a matar!" ? Nenhuma! Não teremos o direito de nos indignar, que me desculpem as feministas. Se as mulheres o dizem quando acontecem coisas como a que aconteceu agora, os homens também têm o direito de dizer quando a vítima for uma mulher. Sejamos coerentes, ao menos.

E não serve a já velha desculpa "no caso dos homens é uma minoria". Nem que seja apenas um entre um milhão mulheres! Merece o mesmo respeito e a mesma consideração que esse milhão de mulheres.

Sim, não devemos querer para os outros aquilo que não queremos para nós. E este é apenas um exemplo. Antes de se tratar de homem ou mulher , trata-se de ser humano. E violência é violência. Sempre. ACTUALIZAÇÃO: Quando estava a terminar este texto, ouvi através das notícias da televisão que a referida senhora poderá voltar a casa, ficar em prisão domiciliária e, inclusive, recuperar a custódia dos dois filhos, de 11 e 14 anos. Só me pergunto o que aconteceria se fosse tudo ao contrário. Se fosse um homem que matasse a mulher e pudesse ficar em prisão domiciliária com a custódia dos dois filhos. toda a gente ficaria indignada. Assim, vem o velho chavão "Coitada da senhora, deve ter-se visto tão aflita que teve de o matar".... tudo bem, que se use esse chavão. Mas então não se admirem se amanhã ou depois quando um homem matar a mulher, vier um homem dizer "Pobre homem! Ela deve ter-lhe feito a cabeça em água de tal forma que teve que a matar!" Sejamos coerente ao menos. Ass: uma mulher que, como tantas outras mulheres e homens, foi vítima de um cônjuge violento.



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