Grande derrota no Eurovision... Grande tragédia ou nem por isso?


Começo por dizer que sou do tempo em que o país parava para ver o Festival da Eurovisão. Nascida em Novembro de 1968, tinha poucos meses de idade no ano dos quatro vencedores. Cresci a ouvir a minha mãe e as vizinhas dizer "Hoje tenho que fazer o jantar mais cedo, que hoje é o festival!" . Não havia também grandes hipóteses. A própria RTP 2 só chegou ao Algarve quando eu já tinha 13 ou 14 anos. A SIC e a TVI chegaram quando eu já tinha passado bem dos 20... TV por cabo só uns anos mais tarde e só lentamente foi ficando acessível a todas ou a quase todas as bolsas. Isto para dizer que não havia grandes hipóteses de escolha e eventos como o então chamado Festival Eurovisão da Canção faziam efectivamente parar o país, tal como uma final de um campeonato de futebol ou os jogos sem fronteiras, embora estes nem tanto.

Era habitual Portugal ficar entre os últimos classificados, mas isso não impedia que no ano a seguir e emoção fosse a mesma. Sonhar com uma vitória era algo completamente absurdo. 


À medida que os anos foram passando e foram surgindo lentamente outros pontos de interesse o certame foi gradualmente perdendo a força que tivera noutros tempos até que chegou a um ponto em que grande parte das pessoas nas quais eu me incluo só sabia do vencedor através das notícias. Depois era um dos assuntos durante dois ou três dias e passava. Havia um grupo de resistentes e novos grande fãs que foram, sabe-se lá porquê, surgindo, e era por isso que o evento continuou e continua a realizar-se.

Quero deixar claro ainda que nunca se percebeu muito bem quais eram os critérios de qualidade musical que regiam  as votações dos júris neste concurso. Nem mesmo os critérios de selecção. Ao longo dos anos vi concorrer e ganhar músicas de todos os géneros e para todos os gostos. Falou-se sempre em questões políticas. O certo é que todos os anos uns dias antes já se sabia quais eram os potenciais vencedores, de entre dois ou três. Porquê? Nunca percebi e com o tempo, como já referi, fui deixando de querer perceber.

O ano passado calhou-nos a nós. "Amar pelos dois" interpretada por Salvador Sobral foi ganhando popularidade e nos dias que antecederam o evento já não havia quem não tivesse certeza de que se a nossa canção não ganhasse ficaria, certamente, entre as primeiras, mas o mais seria era ganhar, o que acabou por acontecer. A popularidade da canção cresceu de tal forma que até eu, que há anos não assistia ao evento televisivo, voltei a assistir e foi com alegria que vi algo que nem a sonho chegaria nos meus tempos de infância e adolescência: Portugal venceu o Festival da Eurovisão. Se fiquei contente? Obviamente que sim. Quem não gostar de ver o seu país vencer seja o que for arrisco dizer que não será uma pessoa muito normal (seja lá isso o que for). Emocionei-me, ao recordar tempos idos e imaginei  como teria sido bom se a minha mãe tivesse vivido mais uns anos para ver aquele feito, que ela nunca imaginou que viesse a acontecer. Vi pelas redes sociais pessoas com a mesma sensação em relação a outros ente-queridos. Foi bonito. Quanto à canção que nos fez vencedores, eu acho bonita. Gosto. Acho que o Salvador Sobral esteve bem e a canção mereceu. Mas tendo em conta o que já disse sobre a grande variedade de géneros musicais e da falta de clareza no que respeita aos critérios, não é pertinente para este artigo. 

Não esquecer que surgiram logo nas redes sociais (nas redes sociais, nos cafés, nas salas de espera...) os chamados "haters" e desconfiados que defendiam que Portugal não tinha dinheiro nem condições para realizar o evento. Pessoas esquecidas da Expo 98 e do Euro 2004 (esqueçamos agora a construção abusiva de estádios, a organização foi espectacular, fortemente elogiada pela UEFA .

Este ano, tendo em conta que éramos o país anfitrião, senti-me um pouco na obrigação moral de assistir , no sofá da minha sala, à final, realizada em Lisboa no Altice Arena. Pude comprovar o que sempre achei: grande variedade de géneros e gostos musicais. De modo que, mais uma vez, a questão da qualidade musical não entra em contas neste artigo. Mas diga-se de passagem que até faz algum sentido que assim seja, pois sempre foi um certame que atraía pessoas de todas as classes socio-culturais e com todos os gostos musicais , que mais não fosse porque só tinham um canal de televisão.

Foi a organização e o espectáculo que eu já esperava, tendo em conta as experiências da Expo 98 e do Euro 2004. Pelo que ouvi e li de pessoas que lá estiveram e pelo que pude assistir. Um espectáculo lindo, tendo em conta a natureza do evento, excelente organização, gosto e empenho dos profissionais envolvidos (de lamentar o incidente durante a actuação da representante do Reino Unido, mas são coisas que acontecem, certos indivíduos conseguem fintar até o mais preparado dos profissionais quando têm a ideia virada para isso. A segurança vinha logo atrás, por 1 ou 2 segundos tinham-no alcançado antes que ele chegasse à cantora , mas pronto... Acontece). Mais uma vez provamos que somos excelentes anfitriões e que sabemos receber, que temos capacidade mais que suficiente para organizar um evento desta natureza e desta dimensão.

Está de parabéns a RTP, estão de parabéns todos os envolvidos na organização, desde os responsáveis mais altos até às pessoas que recolheram o lixo. Portugal está de parabéns mais uma vez, tal como em 98 e em 2004. Foi pena termos ficado em último lugar? Eh pah... Foi... Mas não será isso secundário tendo em conta o lindo espectáculo que fomos capazes de organizar de uma forma exemplar? Eu quer me parecer que sim... Até porque tendo em conta tudo o que já disse sobre a pouca clareza dos critérios de selecção e votação acaba quase por ser um "não-assunto". Acaba por ser irrelevante no meio de todo o espectáculo lindo que foi. Valerá a pena tanto escárnio nas redes sociais sobre o facto de termos passado do primeiro para o último lugar? Acho que não. São anos diferentes, canções diferentes, e lá está: critérios diferentes, que surgem não se sabe como nem de onde. Antes da votação do público, estávamos em penúltimo e em último estava a Ucrânia, que também foi vencedora há dois anos... Por isso, não é por aí.

Sem me alongar muito mais, quero ainda dizer que não gosto da canção vencedora. Nada mesmo... Mas vamos cair no mesmo : quais são os critérios? Acho graça a algumas piadas que por aí andam, envolvendo o nosso cantor Toy (coitado, que não tem culpa de nada, mas se tiver sentido de humor, que acho que tem, até é capaz de levar na boa... digo eu)  mas não gosto daquelas que têm como "ponto de ataque" o aspecto físico da cantora. Afinal andamos a lutar contra o preconceito e essa luta é só para alguns? Experimentem a recuar 4 anos no tempo e fazer uma piada sobre o aspecto físico da Conquita Wusrt... Aposto que vos cai a comunidade LGBT encima de uma forma feroz. Então não se pode fazer uma piada sobre um transexual e pode-se fazer sobre um gordo? Enfim... Eu como os amigos homossexuais que tinha na juventude e que conservo até hoje e alguns dos que ganhei depois a comunidade a que pertencem é a mesma que a minha que é a de cidadão português, faz-me alguma confusão estes movimentos que parecem só ver a seu favor, mas isso é outra história...

Termino com a minha canção favorita. Uma canção linda, uma voz linda e de salientar ainda o pormenor dos efeitos de luz que fizeram com o vestido da cantora, uma das coisas mais bonitas que já vi em TV, tendo em conta a natureza do evento. Organização nossa. Parabéns, RTP. Parabéns Portugal.


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