A revolução foi necessária e bonita... Era bom que não estragassem tanto esforço...

Era uma miúda de cinco anos a brincar num pequeno quintal e pouco caso fiz quando o meu pai chegou para almoçar e a minha mãe lhe perguntou, assustada: "Então e agora??? Vamos andar em guerra?"... Só retive isto, nem me recordo da resposta do meu pai. Mas provavelmente terá sido qualquer coisa na ordem do "As mulheres não se metem nisso...."

Nos dias que se seguiram só se ouvia a só se ouvia a palavra LIBERDADE, nas poucas televisões que já havia na rua entoava um grito "O povo unido jamais será vencido"...  Imagens de cravos vermelhos lindos transmitiam uma ideia de alegria, de felicidade....

Percebi desde cedo que os meus pais não gostavam lá muito daquela alegria. Não compartilhavam lá muito daquelas ideias de liberdade... O meu pai nem parecia permitir que a minha mãe se interessasse muito pela matéria... Não lhe convinha muito... Às mulheres, tal como aos criados, não se deve dar muita abertura... Senão.... Acontecia o que estava à vista.

Ainda não sabia muito bem o que era esquerda e direita em questões políticas (e agora? Saberei?), mas percebi cedo que os meus pais eram da direita.... Ou melhor, o meu pai era,  a minha mãe tinha que ser também.... Uma mulher devia ser assim : obediente ao marido.

Em casa ouvia falar muito mal dos comunistas. Eram apresentados como arruaceiros, brutos, estúpidos, violentos....

Nesses poucos anos que se seguiram as ideias eram muito confusas na minha cabeça.  Entrei para a Escola.  Lembro-me que se brincava às eleições :).

Por um lado, achava que os meus pais tinham uma maneira de ser muito opressora dos mais fracos. Pareciam-me mais felizes os meus amigos, cujos pais eram olhados de lado pelos meus, por serem comunistas... Mas sempre que os ouvia falar também me passavam uma ideia muito irrealista... Então as pessoas eram todas tratadas por igual??? Então de que servia a pessoa trabalhar e esforçar-se e ter mérito, se era para dividir tudo com quem não se esforçava nada?? Conclui cedo que os tais comunidtas que os meus pais abominavam só podiam ser divididos em dois grupos: os sonhadores, e os hipócritas. Conheci comunistas fantásticos!! Eram os sonhadores... Pessoas que acreditavam com paixão naquelas ideias. Dava gosto ouvi-los falar.  Mas era como ouvir um conto de fadas : tínhamos que nos mentalizar de que era ficção...

No meio desses sonhadores misturados com hipócritas e daqueles que choravam porque tinham perdido o poder da opressão, havia no entanto aquelas pessoas que se destacavam e pareciam simbolizar para mim o equilíbrio.... Ouvia-as falar na mercearia quando lá ia fazer algum mandado à minha mãe... Essas pessoas diziam "Não, calma aí!  A força foi necessária para se atingir o objectivo, para derrubar a ditadura, mas agora há que assentar os pés na terra, porque não é com arruaça que se encontra o equilíbrio.  A ditadura já foi. Agora não temos que estar como se estivéssemos permanentemente a lutar para acabar alguma coisa. Queremos paz! "....

Foi com pessoas que pensavam assim que o Partido Socialista ganhou as primeiras eleições legislativas em Portugal, após a revolução. As pessoas pareciam ter juízo, pareciam querer um equilíbrio.

O que mais me desagradava na direita era a ideia de sufoco que me transmitia... Ideia de falta de ar... Jurei que nunca me casaria com um homem de direita.... Hoje não sei se ria ou se chore por ter cumprido essa promessa...

Tantos anos depois, bendigo a revolução porque sem ela hoje não poderia estar a escrever isto.... Mas há vários anos que neste dia não consigo deixar de pensar que tenho medo, receio, pavor de que o fim desta história seja o da pequena grande obra "Animal Farm", traduzida em Português para "O Triunfo dos Porcos".... É que o raio desse grande George Orwell tem acertado em tanta coisa que.... Nunca fiando!!!

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