E nesta dia da criança... Adopção: acto de amor ou de egoísmo?

Como acho que é do conhecimento geral, não sou muito de ligar a "dias disto" e "dias daquilo"... Tenho as minha próprias datas que me marcaram e chega-me... Mas já que dizem para aí que hoje é o Dia da Criança, lembrei-me de um tema que para muitos é simples, mas que para mim é muito complexo e delicado.

Tomou-se como verdade universal que adoptar uma criança é um acto de amor... Mas não será, em alguns casos, um acto de egoísmo? Sempre me pareceu que sim, e depois de ter tido conhecimento de alguns casos que me pareceram injustos, além de outros pormenores à volta do acto de adoptar, fiquei com mais certezas ainda...

Uma coisa que me irrita é as pessoas quererem filhos adoptivos "por medida"... Dados e arregaçados! As mais procuradas são meninas, loiras de olhos azuis e por aí fora. Ora, se eu mandasse, retiraria automaticamente estas pessoas das listas de potenciais adoptantes... Se tiverem um filho biológico não irão escolher a cara dele, pois não? Então porque é que pretendem escolher a de um filho adoptado?? Já ouvi a explicação de que, normalmente, pretendem uma criança que pareça minimamente com eles, para que as pessoas não percebam à partida que a criança é adoptada. Então, mas... Se a adopção é um acto tão nobre, porque não ter orgulho em que a criança seja adoptada.

Há 2 ou 3 anos foi aprovada no nosso país a lei do Apadrinhamento Civil. Esta lei criava uma situação intermédia, entre a família de acolhimento e a adopção plena. A família de acolhimento tem um carácter provisório, recebe um subsídio e sabe (ou devia saber) que, caso a família biológica volte a ter condições para acolher a criança, essa sua situação irá cessar. No caso da adopção plena, a criança passa a ter o mesmo estatuto que um filho biológico e HÁ UM CORTE TOTAL COM A FAMÍLIA BIOLÓGICA. O apadrinhamento civil viria trazer uma nova realidade: seria um vínculo de carácter, à partida permanente, em que a família , sem receber qualquer subsídio, assumiria a responsabilidade sobre a formação e educação da criança, mas sem que esta tivesse que perder necessariamente os vínculos com a família biológica. Ao fim e ao cabo, tradicionalmente, era essa a função dos padrinhos. E porque é que tenho estado a usar o verbo no modo condicional. Porque infelizmente ( a meu ver) esta lei teve pouca adesão (embora tenha tido alguma), porque as pessoas não estão interessadas em apadrinhar, mas sim em adoptar, para que a criança não tenha qualquer laço, a partir dali, com a família biológica. E porquê? Em muitos casos, por puro egoísmo, ainda que cada caso seja um caso.

Tomemos como exemplo, um caso hipotético: um casal, ambos filhos únicos morre... E não me venham dizer que seria muita coincidência morrerem os dois ao mesmo tempo, porque, para já não falar em outras hipóteses mais remotas, embora possíveis, num acidente de viação é muito natural que aconteça, infelizmente. Imaginemos que os avós (não há tios) já não têm idade para assumir a educação da criança, embora a adorem. Será justo que a criança seja retirada para adopção e que estes avós morram sem saber o que foi feito do seu neto/a??? Não seria mais adequada, neste caso, a lei do apadrinhamento civil?

Há uns anos atrás vi um caso que me fez correr as lágrimas. Uma brasileira como muitas que para cá vêm, estava sem nada, envolveu-se com um homem de 69 anos, foi viver com ele, acabando por ter um filho dele, quando o senhor tinha 70 anos. Como o senhor não era assim muito abastado, logo que encontrou outro com mais dinheiro, foi-se embora com esse, deixando o bebé, de 7 ou 8, meses com o pai. Havia, na altura, mais de um ano que ninguém sabia nada dela. O menino tinha então 2 anos, o pai 72 e mostrava adorar o filho. Ainda me recordo das suas palavras carinhosas "A minha reforma não é muito alta e pode faltar para mim! Posso passar fome, mas ao meu menino não falta nada! Para ele é tudo de bom!"... As vizinhas iam ajudando, uma hoje outra amanhã e o senhor lá ia criando o filho como podia... Sozinho, com as ajudas pontuais das vizinhas. Por acaso, não se falava ali em retirar a criança, mas lembro-me que uma pessoa com quem falei disse logo que era isso que devia acontecer: retirar a criança para adopção. E desrespeitar os sentimentos daquele pai, que adorava o filho???

Se eu acho que aquele senhor tinha condições para continuar naquela situação muito mais tempo? Provavelmente não. Basta ver que quando o rapaz tivesse 20 anos, o pai teria 90, se fosse vivo. Ora, a educação de uma criança não é fácil para uma pessoa jovem, quanto mais para um senhor daquela idade. Mas seria justo que a criança fosse retirada para adopção e aquele pai morresse sem saber o que tinha sido feito do seu menino, como ele lhe chamava com ternura? Não! Definitivamente não! Ali, mais uma vez, o apadrinhamento civil seria a solução ideal... Infelizmente, uma Lei com pouca adesão... Porquê? Porque as pessoas são egoístas :(

Comentários

  1. São, como deve saber eu sou uma forte candidata a adoptar uma criança. E adoptar para mim é que tenha a partir daí todos os direitos que teria um filho biológico. Passa pro ter casa, comida, boa educação, tudo o que estiver ao meu alcance dar para que tenha um vida equilibrada e feliz. Se tudo isto se vier a concretizar será mais uma criança que deixará de viver num orfanato. Bom para ela, melhor para mim que pretendo lhe dar a mão e acompanhá-la no melhor e no pior (que esperemos sejam muito poucos). Acabará por ser mais tarde a minha herdeira, visto que sou filha única. Pelo menos uma casa própria terá, o que penso não ser mau de todo.

    Dá para perceber que não existe qualquer tipo de egoísmo da minha parte, antes pelo contrário. Se a criança foi abandonada, terá a partir daí uma certeza, a de que não será novamente abandonada, pelo menos voluntariamente.

    Tenha uma boa semana, São.

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    1. Mas o que garante que uma criança foi abandonada? Quantas crianças são retiradas às famílias por motivos de pobreza? Quantos pais e mães ficam de braços vazios, a chorar o filho perdido? E ainda tendo em conta que realmente os pais não querem saber da criança, ou não podem (sei de um caso de um casal que teve um acidente, o pai morreu e a mãe ficou totalmente incapacitada, inclusive mentalmente, mas nesse caso havia família com condições)... Será que não há familiares que ficam a sofrer por nunca mais saberem daquela criança? Uma vez vi uma tia a chorar no Centro de Saúde porque achavam que ela não tinha condições para cuidar de mais uma criança (já tinha duas e vivia de forma modesta, não falava dos pais) e ela dizia "Agora levam o meu sobrinho para adopção e eu nunca mais vou saber dele! Não pode ser!"...É triste...

      Uma boa semana para si também, Maria :)

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    2. São, se as crianças são retiradas às famílias por motivo de pobreza e se alguém lhes dá a mão. Um futuro melhor, porque razão é que parece que essas pessoas são uns monstros? É que não são, de todo. Pelo menos para mim não são.

      Para mim se a família biológica for gente de bem nada impede que exista contacto. Se por outro lado passar por gente que por vezes é perigosa, desonesta, interesseira e se estão nas tintas para a criança, aí não, não existe contacto algum. Primeiro a segurança. Primeiro o bem-estar dos mais pequenos e, neste caso, o bem-estar de quem se vai responsabilizar pela vida de um ser ainda muito pequeno.

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